sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

VERGONHA SUPERIOR!


Desde o mês passado que eu sentia uma certa apreensão. Depois de mais de um ano acompanhando as tristes notícias que cercavam o meu herói marvete favorito, finalmente eu ia colocar meus olhos sobre o arco que estabeleceu uma das maiores polêmicas da história dos quadrinhos de todos os tempos: o Homem-Aranha Superior.


Homem-Aranha 143 da Panini traz as edições 699 e 700 de Amazing Spider-Man. Na edição anterior, havíamos descoberto que, de uma hora pra outra, Peter Parker e o Doutor Octopus haviam trocado de corpos: enquanto o vilão desfilava por New York com toda a juventude e os poderes do herói, este definhava em um corpo moribundo, preso a um suporte de vida precário em uma prisão federal de segurança máxima. Aqui, vemos a fuga de Peter (auxiliado por alguns aliados do Octopus, entre eles o famigerado Pete Pote de Pasta) e sua luta vã para tentar reverter o processo antes que o corpo de Otto morra de vez, levando-o junto. Apesar de falhar miseravelmente, Parker, de alguma forma, consegue se conectar com o cérebro de Octavius, convencendo-o a se tornar um herói. Só que o Oquinho resolve que pode ser um herói... superior.

Homem-Aranha 143, da Panini. O "Superior" chega ao Brasil...

Acho que hoje a maioria dos fãs do Homem-Aranha aceitam que a grande tragédia do personagem é a sua impossibilidade de amadurecer. Criado por Stan Lee e Steve Ditko como um adolescente, Peter criou grande empatia com seu público alvo, que o via enfrentando os mesmos problemas que a imensa maioria deles. Em suas revistas, podíamos ver a dificuldades sociais que marcaram sua passagem pelo ginásio, o primeiro emprego, os relacionamentos amorosos (começando, claro, pela famigerada "mulher mais velha": Betty),  a perda (Gwen Stacy...) e... o casamento. Daí pra frente, a coisa degringolou assustadoramente.

Foi como se, de uma hora pra outra, os editores e roteiristas do personagem não tivessem mais a menor idéia de como manter aquela conexão que ele parecia ter com o zeitgeist que sempre o marcou. Qualquer pesquisa sobre gibis antigos mostra que neles haviam referências - às vezes explícitas - à Guerra do Vietnam, ao movimento hippie, à luta pelos direitos humanos, ao crescimento do consumo de drogas entre os jovens, etc... Depois do casamento, isso se perdeu. Peter não era Reed Richards: sua vida familiar não possuía coisas como a Zona Negativa para torná-la menos maçante. Mary Jane, a mulher com quem casou, ganhou uma personalidade amargurada, cansativa, se tornando a típica "mulher que espera".

"Clones? Ok. Ressurreição de inimigos? Suportável. Pacto com Mefisto? Vá lá. MAS POR QUE DIABOS A TIA MAY NÃO MORRE DE UMA VEZ?????????!!!!!!!!!!!"
Exemplos de como as coisas estavam desnorteadas não faltam. Lembram da gravidez de MJ? Até hoje ninguém decidiu se aquela criança nasceu ou não. E todas as "mortes" da Tia May? E do Duende Verde? E (pasmem!) do Doutor Octopus? E os clones? E o Peter sempre passando apertos monetários, mesmo sendo um fotógrafo famoso e um cientista de gabarito casado com uma supermodel de fama internacional? E todas as tentativas de "encerrar" o casamento sem usar o simples e direto divórcio?

Straczynski, no início de seu trabalho, até tentou acertar as coisas. Arranjou para Peter um trabalho de professor no mesmo ginásio onde ele um dia estudou (trazendo-o novamente para um ambiente mais familiar a uma parcela de seus leitores), acertou as coisas entre ele e MJ, deu força de verdade a Tia May, fazendo com que ela descobrisse a identidade secreta do sobrinho... Mais uma vez, vimos o herói atuando em um mundo mais sintonizado com aquele que, infelizmente, nós vemos na televisão: em poucas edições, tivemos histórias com alunos vítimas de bullying indo armadas para escolas, uma edição inteira dedicada ao 11 de setembro e um arco que tratava de crianças abandonadas, que sobreviviam na rua. Também volotu o humor, quase sempre como uma provocação aos seus inimigos. Pena que isso não durou muito.

Homem-Aranha se desespera ao chegar ao local onde estavam as Torres Gêmeas. Mesmo não estando inserida na cronologia do personagem, esta edição serviu - e muito! - para mostrar o apelo do personagem junto ao público: até hoje é lembrada e - para os padrões Marvel - principalmente comprada, enquanto fases de personagens que faziam menções diretas aos fatos ocorridos em 11 de setembro foram esquecidas em pouco tempo, como o Capitão América de John Ney Rieber e John Cassaday.
Mas, depois, veio a necessidade de "vender mais". O trabalho de desenvolvimento a longo prazo foi abandonado e adotou-se a tática morrisoniana da polêmica. E lá vieram as "alterações" na origem, a putanização da Gwen Stacy (uma das coisas mais forçadas e sem sentido de todos os tempos!), a elevação do nível de poder até o padrão superultrahipermegamodafócka, a entrada para os Vingadores (depois ele iria fazer parte do Quarteto Fantástico também - Bendis negocia a entrada deles para os X-men para breve), a revelação da identidade em rede nacional e... o pacto com Mefisto, onde Peter Parker, em troca de mais alguns anos com a Tia May aceitou "apagar" seu casamento da cronologia (assim como a morte do Harry Osborn, a rvelação da identidade secreta e sabe-se lá mais o que). Ah, e o humor se tornou digno do zorra total, com o Aranha agindo como um completo retardado.

Chifre vende? Especulo que a Marvel achou que simplesmente colocar o Peter escancaradamente tomando chifre da MJ não faria muita diferença. Provavelmente, alguém se lembrou do Ciclope, que levava chifre da Jean com deus(es) e o mundo e ninguém ligava. Então optaram por uma coisa tão sem sentido que se tornou meio que um padrão: polêmica gratuita criam quadrinhos malditos que, apesar disso, vendem como água gelada no deserto na época do seu lançamento. Mas alguns editores talvez acharam que o problema era apenas a cor do cabelo: Ciclope deixou de ser corneado pela ruiva (assim como MJ) Jean Grey e passou a ser passado pra trás pela loira (assim como Gwen) Emma Frost.

A dificuldade de trabalhar com um Parker mais velho é tão grande que o exageradamente elogiado Brian Michael Bendis adotou uma tática tão oportunista na sua versão ultimate do herói que me admira que as pessoas não se sintam constrangidas de tecer loas ao roteirista: ele MATOU o Peter e o SUBSTITUIU por uma versão negra, latina e, claro, adolescente. Assim, ele aproveitou um evento comovente (a morte) pra substituir o alter-ego (mantendo o personagem) e ganhando toda a liberdade pra fazer o que quiser porque, no fim das contas, TODO MUNDO SABE QUE AQUELE NÃO É O VERDADEIRO HOMEM-ARANHA! Qualquer semelhança com a tática slottiana não é mera coincidência...

Falando em Dan Slott... Putz, se isso não for o fundo do poço, o que pode ser?

A polêmica edição 700: as capas lindas lembram aquelas pessoas que plantam jardins 
para esconder a tampa das fossas.

A idéia é, por si só, ridícula: na tentativa de tornar o Homem-Aranha um personagem mais dark e, assim, agradar a uma parcela do público que clama por um super-herói mais "maduro", ele o substitui por um vilão que só queria ter um corpo jovem e poderoso (que gay!), mas termina abraçando o conceito de "grandes poderes, grande responsabilidade", porém sem abandonar sua arrogância e métodos violentos.

A escolha do "substituto" também é uma porcaria. Venhamos e convenhamos: o Dr. Octopus é uma porcaria de personagem. Chega a ser cômico em sua arrogância, aparência e motivações. Por Odin, ele quase casou com a Tia May. Com a Tia May! As duas únicas coisas memoráveis que ele fez foi quando matou (sem querer) o Capitão Stacy e quando ele próprio morreu (e, infeliz e desnecessariamente, voltou).


Aí vem o roteiro forçado. Primeiro: como diabos o Otto conseguiu aquilo? Vá lá que ele passasse uma cópia digital de sua personalidade para um disco e conseguisse transferir para a mente do Parker, mas... Porra, como foi feito o caminho inverso? Como a mente do Peter foi parar no corpo do Octavius? E depois, como as mentes se "conectaram"? Como o Peter percebeu o que o seu inimigo estava pensando?

A segunda forçação de barra é o vilão simplesmente antecipando TODAS as ações do Peter. Detalhe: a primeira reação dele quando Parker saiu da prisão foi fugir. Quando desistiu da fuga e resolveu enfrentar o verdadeiro Homem-Aranha, ele simplesmente ficou um passo à frente do herói o tempo todo!

Nem Stan "Safado" Lee suportou...

E, por fim, alguém me explique porque o Peter simplesmente não procurou uma forma de entrar em contato com as pessoas o mais rápido possível e avisar o que tinha acontecido? Alguém teria acreditado nele! O único momento foi com a Carlie em um cena pra lá de besta. Nem sequer um vídeo desmascarando o vilão o cara deixou, abandonando sua família (e o mundo) a mercê de um bandidinho de merda, que ainda por cima está agora infiltrado nos Vingadores e no Quarteto Fantástico! "Ah, mas o Peter fez ele ver que tem que ser um herói e tal..." Na boa, você confiaria minimamente?

Esquecendo tudo isso... Que roteirinho chinfrim, cheio de diálogos bobos, momentos desnecessários e apelações. O clichê de ver o Peter, mais uma vez, no "além-vida" foi absolutamente sem sentidoe sentimentalóide, além de previsível.

Peter em mais uma visita ao "além-vida". Vocês advinham quem ele vai encontrar aqui? Se alguém gritou "Tio Ben", ora... Acertou, claro.

E a "arte"? Meu amigo Inacreditável Neo é de opinião que Humberto Ramos (desculpa, Linik) já está de sacanagem, do tipo "vou barbarizar mais e mais só pra ver até onde estes nerds fedorentos ainda são capazers de comprar uma revista com desenhos que meu cachorro teria vergonha de assinar". E é por aí mesmo. Narrativa confusa e um traço inqustionavelmente podre! Erros de anatomia, proporção, sombreamento... Putz, alguém quer muito o título de (desculpem a palavra) Liefeld da Nova Geração!

Exemplo de arte porca. E tem gente que ainda reclamava do Romitinha...

Antes que alguém defenda alegando, por exemplo, que a aparência do Otto se devia à degeneração que seu corpo doente vinha sofrendo, acho que a pessoa pode olhar esta imagem...


... e depois esta...


... que perceberá claramente a diferença entre o desenho do corpo de uma pessoa terrivelmente doente e algo que apenas vagamente lembra um ser humano. Isso é tão ridículoquanto um Coringa usando o próprio rosto como máscara.

Bom, é isso. Sei que as coisas vão piorar daqui pra frente e ainda por um bom tempo. Não sei, sinceramente, se acompanharei mais. O que posso dizer é que nunca um "The End" fez tanto sentido como na imagem abaixo:



Descanse em paz, Peter. E não se preocupe com seu legado: ele será constantemente conspurcado nos próximos meses. Não vale o incômodo.



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